sexta-feira, 20 de junho de 2008

Correio do Povo - Juremir Machado da Silva: Novas Providências Públicas

O jornalista Juremir Machado da Silva desconhece que o projeto de lei do Vereador Sebastião Melo que termina com a circulação de carroças (VTAs) em Porto Alegre num prazo máximo de 8 anos, por emenda dos Vereadores Haroldo de Souza e Beto Moesch também proíbe a circulação de carrinheiros (VTHs).

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NOVAS PROVIDÊNCIAS PÚBLICAS

Estamos vivendo um tempo realmente diferente, o que se pode comprovar pelo uso cada vez mais freqüente do chamado gerúndio paulista ou de telemarketing: vamos estar tomando providências para resolver o seu caso. As providências, no caso, obedecem a critérios altamente modernos de reengenharia. Tudo deve ser feito de maneira a custar menos e a diminuir o papel do Estado na vida cotidiana. A terceirização e o politicamente correto continuam dominando. Práticas, por exemplo, antes de uso exclusivo de certos setores são agora repassadas para a sociedade civil. No Morro da Providência, representantes das Forças Armadas terceirizaram um caso de tortura e de assassinato. Nem sequer houve licitação para o crime.
No Rio Grande do Sul, o vice-governador tomou o lugar da imprensa e da oposição e sabotou o governo do qual faz parte usando um gravador escondido. Com isso, neste século XXI balbuciante, reinventou Maquiavel: os fins justificam os meios. É o mesmo, afinal de contas, que pensam todos os políticos quando se abastecem com dinheiro público para financiamento das suas campanhas. Há quem entenda que o vice-governador poderia diminuir o tamanho do Estado, que tanto o incomoda, entregando o cargo. Sem dúvida, estamos dando lições de originalidade no trato da coisa pública. Os fatos divulgados pela gravação de Paulo Feijó continuam falando por si. A noção de decoro, no entanto, foi para o espaço. Encontros com ele, de agora em diante, só em praça pública e depois que ele tiver passado no raio X e no detector de metais. A política, enfim, atingiu o seu nível mais transparente: somos todos iguais na captação de recursos ilícitos.
Outra evolução considerável da sociedade porto-alegrense é a lei que eliminará as carroças em oito anos. Passaremos da infame tração a quatro patas para a tração a duas pernas. Os cavalos maltratados serão substituídos por homens puxando carrinhos. É uma cena que já existe e chama bastante a atenção de quem visita a capital gaúcha. Só há vantagens nessa troca. Passa-se de um animal irracional a um animal racional ou com potencial para isso. Cavalos e homens de tração têm aproximadamente o mesmo peso e desenvolvem a mesma velocidade nas ruas. Os homens, porém, desempenham várias funções ao mesmo tempo, o que os torna modernos e aptos a uma vaga permanente no mercado informal do trabalho: catam o lixo, limpam a cidade, puxam a carroça, organizam o material e não dão preocupações aos protetores dos animais. Uma beleza!
Uma sociedade em que vice-governador grava escondido um secretário do seu governo, presidente da República e governadores de Estado sempre tudo ignoram, políticos servem-se das verbas públicas para fins tribais ou pessoais, militares entregam jovens para que criminosos deles se encarreguem com métodos definitivos, cavalos são proibidos de puxar carroça, mas homens não, e precisa-se de três verbos para dizer o que antes se fazia com um, sem dúvida, merece descrição. Giuliano da Empoli, em 'Hedonismo e Medo', afirma que o Brasil é o futuro do mundo. No momento, não deve ser pelo futebol. Ou sim? Deve ser pela política. Afinal, é o que temos de mais original. Estamos cada vez mais na vanguarda da retaguarda. Terceirizamos as providências em cada morro, favela, vila e lugar. É uma forma nova de manter as mãos limpas. 'Presentinho para vocês.' Não é isso? 'Valeu!'

juremir@correiodopovo.com.br

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